Pensamento de hoje

Poder de um lado e medo do outro formam a base da autoridade irracional.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Qualidade de vida



Talvez o maior mito dos nossos tempos seja a ambição da qualidade de vida. É um paradoxo, pois quanto maior os confortos da sociedade industrial e do consumo, maiores as dificuldades para se obter qualidade de vida, como sinônimo de segurança, tranqüilidade e bem-estar.

Vejamos o que acontece em Joinville. O primeiro automóvel chegou aqui há exatamente um século, no dia 21 de maio de 1907. De lá para cá, mesmo com a expansão urbana e a multiplicação da população em dezenas de vezes, chegaram outros 200 mil veículos. E eles se multiplicam a cada semana e mês, pois, afinal, “nunca se vendeu tanto automóvel neste país como em 2007”. O cenário de 1907 em Joinville era bem outro. A energia elétrica chegaria dois anos depois, assim como o primeiro trem. E, depois, viriam as indústrias, o comércio, milhares de pessoas e, com a modernidade, a poluição do Rio Cachoeira. Ali, há meio século, ainda se pescavam bons peixes e arriscavam-se banhos agradáveis e seguros. Barcos desfilavam, entre idas e vindas às ilhas da baía da Babitonga. Hoje convivemos com o rio condenado, e não há Flotflux que dê jeito.

Nossas ruas continuam no padrão de 1907. A “João Colin” e a “Getúlio Vargas” continuam na mesma bitola. Criamos alguns novos eixos, mas a circulação dos 200 mil veículos fica mais difícil. E nervosa. E não falemos das calçadas, esburacadas como no Iraque. É só “caminhar” pela “XV de Novembro” para se constatar a crise gerencial da cidade. Mesmo assim, anuncia-se criativa cirurgia plástica no “Cachoeira”, nos 500 metros diante da Prefeitura. Meio milhão para nada, enquanto as calçadas do centro ameaçam a segurança de qualquer pedestre. E os parques, anunciados às pencas? Ao redor do morro da Boa Vista, maravilhas de deixar Curitiba com inveja. Nada, o Caeiras é apenas arremedo de parque. O joinvilense continua sem ter onde praticar uma caminhada, e somos quase 600 mil habitantes. Em 1907, caminhar, além de agradável, fácil e romântico, era garantido e seguro. E não tínhamos um metro de calçada ou de rua pavimentada. O primeiro paralelepípedo só viria em 1937, em trecho da Rua do Príncipe.

Não falemos aqui da crise na saúde com as obras paralisadas no “São José” e a meia-ocupação do “Materno-Infantil”. Não falemos de segurança pública, com os homicídios em série no Jardim Paraíso. Não falemos, enfim, que Joinville é campeã nisso e naquilo, pois serve só para marketing oficial. Qualidade de vida em Joinville, como na maioria das cidades brasileiras, continua mera expectativa. Sejamos realistas, (mas não pessimistas) apesar dos avanços da modernidade, estamos longe da qualidade anunciada. A violência nas cidades é conseqüência do processo de urbanização que tivemos nos últimos cem anos. Não só em Joinville, que tinha um automóvel em maio de 1907, mas em todo o país, cuja população triplicou e se concentra nas cidades em 82%. No resto do mundo também, por isso se fala em qualidade de vida. Será a utopia do século entrante, e mito da modernidade.

Apolinario Ternes

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por participar do Blog