Pensamento de hoje

Poder de um lado e medo do outro formam a base da autoridade irracional.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A cidade

Ver, ouvir e cheirar a cidade



“saber ver a cidade esta muito

remoto na consciência do publico”

Bruno Zevi



Quando ando por Joinville onde vivo há 50 anos, tento seguir um conselho de Jane Jacobs (Morte e Vida das Grandes Cidades Americanas, 1961), “o de levantar a cabeça e olhar em volta, ouvir e eventualmente cheirar a cidade”. Por outras cidades que tive a oportunidade de andar adquiri um habito próprio dos insones ansiosos, o de sair andando na madrugada para ver, ouvir e cheirar seu acordar, tentar apreender o funcionamento de seus espaços conforme o aumento da quantidade de luz natural.

Um território desconhecido pode ser decodificado seguindo uma tabela simples: onde há movimento; onde há calma; onde se trabalha ou estuda; onde há segurança; onde se adquirem bens úteis e supérfluos; onde estão atividades espirituais ou contemplativas, e assim por diante.

Além do comportamento típico de um turista em conhecer nestas cidades suas tradições gastronômicas e pontos de relevância histórica material e imaterial, busco leituras ou interpretações da formação do uso e funcionamento de seus espaços, próprio de minha atividade profissional.

Das leituras surgem indagações. Por que muitas cidades conseguem garantir a manutenção de seu patrimônio cultural construído? Por que outras conseguem densidade habitacional adequada de seus espaços urbanizados, promovendo a rentabilidade total destes investimentos? Como garantem a manutenção de áreas agrícolas? Como planejam deslocamentos de interfaces multimodais ou o uso de matriz energética renovável? Que instrumentos ou modelos de gestão são utilizados na promoção econômica e social de uma cidade eco eficiente? Quais as estratégias ambientais que garantem vida aos rios urbanos? Como conseguem proporcionar transporte publico gratuito? Poderíamos continuar quase que indefinidamente nestes questionamentos, tendo como pano de fundo a sustentabilidade dos espaços do território chamado Joinville

Em “O Mundo é Plano”, o autor afirma que em 1492, Colombo provou o que o mundo era redondo e hoje fruto da mobilidade digital o mundo é instantâneo ou acessado em uma tela plana. Colocação metafórica para explicar que as minhas perguntas quase instantaneamente já estão praticamente todas respondidas nas intenções descritas nos artigos da lei complementar 261/08 que estabelece o Plano Diretor do Desenvolvimento Sustentável do Município de Joinville.

Nossa legislação urbana se compara as juras pronunciadas no matrimonio de um jovem casal, que na maioria das vezes ficam esquecidas na convivência diária. Na busca de parte das respostas as indagações sobre como poderíamos tentar resolver nossos problemas, encontramos na lei do Plano Diretor ordens praticas e vontades como: o adensamento de áreas urbanas providas de infra-estrutura que hoje estão vazias, subutilizadas, desqualificadas social e materialmente ou até com usos indevidos.

Uma das formas seria o aumento dos potencias construtivos nas áreas periféricas ao centro. Se a isto estiverem vinculados percentuais obrigatórios destinados para habitação, capacidades de absorção de demanda dos sistemas de infra-estrutura, operações urbanas consorciadas e parcerias publica-privada vinculadas ao retorno financeiro do negócio, transferência do direito de construir e solo criado, promoveríamos vários interesses como o aumento de possibilidade construtiva, diminuindo os efeitos de pressão sobre o patrimônio construído, alem de inverter o processo de desertificação do centro.

Obteríamos ainda a densidade populacional associada à oferta de serviços públicos e privados e provavelmente a requalificação do entorno da área central. Tais medidas diminuiriam as pressões imobiliárias sobre as franjas do perímetro urbano, preservando as quantidades e qualidades do território rural, das áreas verdes e dos mananciais hídricos.

Quanto tempo devemos ficar esperando a boa vontade dos agentes públicos e privados para atualização da legislação urbana. O adiamento continuo das decisões sobre a sustentabilidade da cidade esta sendo pago com tempo. No conceito de sustentabilidade urbana esta embutida à palavra tempo, pois diz: sustentar a vida dos que ocupam o território hoje e manter as capacidades para manter a vida dos que o ocuparam no futuro.

Precisamos pensar no futuro próximo quando empresas privadas deixarão de exercer suas atividades na área central. Estas áreas provavelmente ficaram vazias ou subutilizadas em função de legislação que não avança no sentido de concretizar vontades assumidas em lei a favor da cidade, bem como remunerar a propriedade pelo seu real valor.

Vamos deixar de lado o discurso fácil e a hipocrisia, pois vivemos em um sistema econômico capitalista que todos sabem (ou deviam saber) não nasceu na cidade. Vamos abrir bem os olhos, ouvidos e narizes, quem sabe consigamos ver para onde estão levando esta cidade, ou seria melhor dizer: para onde nós estamos deixando que a levem.



Arno Kumlehn

Arquiteto e Urbanista

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