Pensamento de hoje

Poder de um lado e medo do outro formam a base da autoridade irracional.

sábado, 18 de abril de 2009

Qualidade de Vida e Planejamento Urbano


Do Arquiteto Sérgio Gollnick, recebemos este texto, originalmente postado como comentario ao texto "O Circo" e que pela sua abordagem merece ser destacado no nosso blog

Para quem veio morar no América, seja há um quarto de século ou há pouco tempo atrás, constata uma brutal redução na qualidade de vida no bairro. Não é que se pretenda regressar ao período em que as propriedades tinham plantações, hortas, galinheiros ou estrebarias, por entre as casas ou edifícios, mas longe vão os tempos em que se colhiam pequenas rosas, antúrios, copos de leite junto aos jardins ou se caminhava em calçadas bem cuidadas e arborizadas.

O bairro vem sendo progressivamente descaracterizado, isolando-se em alguns lugares, cercados por vias cada vez mais rápidas, metamorfoseando-se em ilhas, situação que só agora alguns parecem reconhecer. Cada vez mais o América vem se transformando de um bairro predominantemente residencial para uma zona de transposição da cidade. Áreas importantes de Joinville pela sua história e peculiaridades são diariamente violentadas de forma verdadeiramente intolerável.

Sobre quem apontar a crítica e o protesto? Sobre quem diariamente a violenta, mas quem são eles? Os antigos moradores que desejam transformar sua propriedade numa fonte milagrosa de dinheiro? Os especuladores imobiliários que desejam transformar o bairro numa nova área de ocupação e densificação, usando como marketing uma qualidade de vida que eles não construíram, mas que certamente serão os responsáveis pela sua destruição? Ou sobre quem tem “planejado” Joinville numa orgia de incompetência (se não mesmo dolo) e venalidade?

Na minha opinião ela deve ser dirigida a todos. Não se trata de sensacionalismo, é pura realidade, é o cotidiano e foi um dos embates nas discussões do Plano Diretor onde representantes de segmentos imobiliários textualmente declararam o desejo de ocupar e mudar as características do América sob olhares inertes dos tecnocratas do IPPUJ. Isto veio a forçar impunemente situações de aberração, como as que todos os dias no trânsito, na ocupação ilegal de edificações para fins não permitidos se traduza como omissão do Poder Público. O América é o mais recente exemplo de um bairro que tem sucumbido e se sujeitado a outras violências.

Algumas áreas do bairro foram alteradas na calada da noite permitindo que loteamentos luxuosos se beneficiassem de uma legislação específica para loteamentos populares. Que zonas sem condição de absorver tráfego viessem a crescer disparatadamente e hoje perdem valor e qualidade de vida. O América, ao contrário do que fazem pensar os planejadores, especuladores e agora os vereadores, vem sendo “comido pelas berradas" e logo estará saturado, estupidamente densificado, sucedendo-se os prédios, separados por ruas inadequadas à densificação, ocupada de instalações de empresas e escritórios sediadas numa zona com volumetria e ambiência pacatamente residencial, que trazem mais gente e automóveis, sem que para estes males sejam oferecidas compensações, como legalmente e justamente deveria ser. Não há desejo político de estudar espaços planejados e bem urbanizados, não se esta pretendendo áreas de lazer, de estacionamento ou transporte público minimamente decentes. Não existem medidas compensatórias ou mitigatórias previstas. O que se pretende é apenas dar valor negocial para alguns imóveis na única lógica de que um erro dá direito a prática de outro erro.

Um breve exemplo disso é a rua Otto Boehm que mudou seu uso sem planejamento e se constitui numa vergonha de falta de políticas urbanas onde o estacionamento se tornou selvagem invadindo os passeios e faixas de recuo das edificações, onde se permitem a construção de prédios sobre encostas e massas vegetais, onde se ocupa e se canalizam os rios, onde se colocam ciclovias que não levam a lugar nenhum onde o cidadão que também é pedestre não tem espaço descente para caminhar.

O América vem assim transformando-se de bairro residencial numa zona de atravessamento da cidade, perdendo sua identidade, agora extremamente prejudicado com a abertura de eixos binários que apenas atendem ao tráfego de veículos de passagem e relegam o cidadão ou o cotidiano de um outrora agradável bairro a segundo plano, como se a cidade fossem apenas o carros e daqueles que se apossaram de seus destinos. Atravessar o bairro vem se tornando um pesadelo com congestionamentos diários e a cada vez mais óbvia perda de qualidade de vida. Dá a impressão, ou melhor, dá certeza de que o urbanismo e a mobilidade e tudo mais são tratados a olhómetro. E assim, com a maior das calma, facilidade e cara de pau, agentes públicos e políticos vão destruindo bairros que poderiam ser considerados exemplares em vários aspectos.

E neste contexto fico cada vez mais apavorado quando vejo que muitos dos fatos são protagonizados por aqueles que teriam a obrigação de zelar pela aplicação das leis, por cidadãos que olham unicamente para seu umbigo e bolso ou ainda por uma sociedade que desaprendeu a lutar por uma cidade digna de se morar. Estamos cada vez ficando mais burros e nossos filhos e netos serão os herdeiros desta falta de bom senso.

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